fevereiro 26, 2011

Sovina alcoólica dá nisso.

Passava da meia-noite e ele se encontrava num clichê de lendas antigas. As nuvens ofuscavam a lua, isso o irritava. Na mente alguns rabiscos lamentaveis, ainda que cômicos. A rua se estendia despeocupadamente. Passava a encruzilhada e o cemitério onde seu pai devia ter sido enterrado estava logo ali. A paranóia aumentava sem razão, como uma música de suspense estragando aquele momento do filme que você acha que estão todos a salvo. O ar pesado, bafo saindo dos ralos, e aquela sensação de estar sendo observado. Lá estava, um tanto quanto não elegante, realmente desapontante: O cãozinho Lú, o tal do Belzebu. Ofereceu a famosa venda de alma, não dei trela. Perguntou então se não tinha um pouco de maconha pra vender, cada tipo que me aparece. Magro e baixo, faltando um dos caninos. Seu chifre mais parecia um amontoado de pele morta, nojento mesmo. Ainda assim, é a porra do diabo! Você não pode simplesmente desmerecê-lo, e ainda mais, tinha uma língua afiadíssima.

Trapeau notou que não conseguia esconder sua decepção, "Se o diabo é o pai do rock, isso explica muita coisa", pensava. Tentou puxar assunto, nada. Lá estava, frente a frente com a prova que existe algo além do mundo que conhecemos, e ao mesmo tempo numa daquelas situações embaraçosas onde nenhum dos lados tem assunto. Afinal, o que falar com um ser extra-terreno?

- Não vais ao menos me perguntar alguma coisa?

-Perguntar o quê? Argumentava. É como quando alguém perguntar se você tem uma dúvida, quando você nem sabe o que é pra ter dúvida.

-Vamos lá, tem que ter alguma coisa... O silêncio permaneceu enquanto Trapeau olhava pros lados, tomava uns goles de vez em quando.

-Já sei! É assim... Digamos, existe um inferno? Digo, afinal o que é o inferno?

-Que bosta de pergunta, hein.

-Ei, eu fiz o meu melhor.

-Argh, foda-se. Ok então, o inferno... Como vou colocar isso? É o seguinte:
O inferno é palpável como o mundo real. Lá você come, bebe, fornica, joga baralho, trabalha. Rotina. O Inferno é eterna rotina. Inferno é a total falta de esperança. Conhece "ascenção social"? Isso inexiste no Inferno. No Inferno você vai comer a mesma comida todo dia, sentir a mesma falta de sabor, no sexo, não vai haver orgasmo, a sede não vai saciar. E o pior: Não existe suicido, afinal, você já está morto. O Inferno é a literal agonia eterna. É depressão. Porcentagem de 0,000% de quebra da vida estatica. Crie tal inferno com o simples motivo de fazer odiar a concepção de eternidade.

Trapeau franziu a testa e saiu andando. "Bosta de vodka barata", joga fora e segue caminho.

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